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RESENHA: Rita Lee - Uma Outra Biografia é uma leitura muito necessária!

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Saudações, ovelhas negras!

A dor da perda de alguém em virtude da morte é um sentimento tão terrível que dizer que não há palavras no dicionário que expressem o luto é piegas, mas uma verdade mesmo assim. No dia oito de maio de 2023, o Brasil ficou órfão de uma de suas mais importantes artistas do último século e indiscutivelmente a vovó do rock'n'roll, como ela mesma dizia que gostava de ser lembrada. O legado de Rita Lee é marcante de mais para que mesmo o tempo se atreva a apagar, sobretudo pelas palavras imortalizadas ao longo de duas autobiografias.



Rita Lee: Uma Outra Biografia
Autora: Rita Lee
192 páginas;
Editora: Globo Livros
Data de lançamento: 22 de maio de 2023.
Brasil

A incrível vida de Rita Lee foi registrada pelas palavras da própria em 2 livros. O primeiro, lançado em 2016, entitula-se "Rita Lee: Uma Biografia" - narrando principalmente as memórias da juventude e do auge do sucesso. Àquele ponto a cantora já estava aposentada dos palcos e o livro foi um dos projetos que levou a assinatura de Lee.


Após o encore dos shows ao vivo, Rita, ao melhor estilo grandes divas da golden age de Hollywood, retirou-se em sua casa no meio do mato, onde se dedicaria aos seus bichos, horta e à escrita. Aposto que Marlene Dietrich a envejaria.

Durante a pandemia, assim que a vacina começou a ser aplicada, a cantora se vacinou o mais rápido possível e no dia seguinte começou a sentir dores do lado esquerdo do corpo. Com a segunda dose, tosses com muito catarro e depois de exames, o diagnóstico veio: câncer de pulmão. É justamente esse o ponto de partida desse segundo livro. Nele, Rita Lee conta com uma irreverência que lhe era única, a jornada lutando contra esses tumores.

Apenas para contexto deste que vos escreve: sempre fui um grande fã da Rita desde antes mesmo de começar a me interessar verdadeiramente por música brasileira. A morte dela, ainda que previsível, foi um choque. Aguardei o lançamento da nova biografia que seria lançada no dia da santa Rita de Cássia, 22 de maio - dia que Rita Lee Jones elegeu como seu aniversário (quem leu as biografias ou é fã vai entender o motivo). Comprei o box com três livros e o Ritarô durante uma promoção do dia dos pais.

Comecei a devorar a história de Rita Lee com uma leitura cronológica, ou seja, relendo a primeira biografia para então emendar com o livro que conta os últimos anos da vida terrena da artista. Tal decisão se provou a escolha certíssima, já que pude lembrar muitos detalhes do primeiro livro, ao mesmo tempo que me preparava para o segundo.

Confesso que quando comecei a ler Uma Outra Biografia, não sabia exatamente o que esperar. Sabia que seria um tanto delicado passear pelas palavras do livro, mas só não tinha dimensão do quanto. Eu tenho certeza que não há uma só pessoa na história da humanidade que faria um livro sobre uma batalha contra um câncer com uma narrativa tão leve quanto Rita Lee.

Pessoalmente, eu sou o tipo de pessoa que me envolvo a um nível um pouco mais pessoal quando leio biografias de figuras as quais tenho "extra devoção". Ler as palavras de Rita contando as experiências dela enquanto paciente me fez lembrar de episódios da minha própria vida em que eu fui a família de alguém bem debilitado - só que de três pessoas praticamente ao mesmo tempo. As crises de ansiedade as quais ela descreve ao longo das 192 páginas também foram pontos cruciais de identificação entre autor e (este) leitor.

Há qualquer coisa de terapêutica quando você tem acesso a esse tipo de vulnerabilidade de alguém que é seu ídolo e cuja vida te inspiram um bocado. É piegas, eu sei, e aposto que Ritinha deve estar se revirando com esse gayzinho despejando um monte de clichês sobre sua memória, mas são coisas que nos aproximam e tornam esses ídolos mais humanos. A velha sensação de validar o mantra "você não está sozinho".

Aliás, uma das minhas partes favoritas é um capítulo dedicado aos fãs. Rita observou o quanto é admirada por uma galera bem jovem e que constantemente ouvia desse público que eles próprios eram as ovelhas negras da família e que em alguns casos foram expulsos de casa, sobretudo os jovens LGBTQ+. Ao que ela carinhosamente responde "meninada, sintam-se beijados pela vovó Rita".

Progressivamente, a morte vai se tornando mais presente e como ela mesma diz, é a única coisa que temos certeza e não devia haver tanto tabu em torno do assunto. Novamente lhes confesso que realmente não acredito que seja uma pessoa com tantos tabus, mas a morte é meu maior tabu. Dito isto, há uma passagem que muito me marcou:

A morte é a única verdade, e cada dia mais vivido é um dia a menos que se vive. Pra quê fazer tanta cara de enterro quando deveríamos tratar dela com humor? Desta vida não escaparemos com vida. (pag. 82)

Ainda estou na minha terapia e no processo para dissolver minha cara de enterro e aprender a lidar com meu grande tabu com a dignidade de alguém que tem pelo menos um fio de cabelo evoluído. E repito: não há pessoa que escreveria com tanta leveza assuntos que pra maioria (eu me incluo no grupo) ainda é extremamente desconfortável de até pensar.

Lhes digo que essa foi uma leitura necessária para mim, pelo menos, porque me confrontou com coisas as quais eu sou "uma grande viadona" para enfrentar - parafraseando o antológico tweet de Rita que virou meme. Mesmo com esse sentimento de confronto, o jeito como Lee escreveu a própria história é como se de fato fosse uma carta escrita por uma grande amiga que te dá conselhos certeiros, valiosos e com toda doçura e carinho materno.




Sinto que preciso explicar melhor o que quero dizer com confronto, para não confundir quem me lê. Não é exatamente um confronto direto da Rita, mas da vida em si. É de se emputecer essa coisa de gente maravilhosa parecer se apagar gradativamente (às vezes dolorosamente) e as personificações de tumores seguem por aí intactas.

O livro não é todo só sobre a luta de Rita contra o câncer. Outras passagens que também me marcaram são dois capítulos individualmente dedicados à Elza Soares e Gal Costa. Neles, a autora detalha memórias da amizade com ambas as divas, além de prestar uma homenagem às amigas, que infelizmente partiram antes da conclusão do livro. Mas aposto que elas estão as três juntas na eternidade produzindo muita arte.

Em conclusão, só posso definir Uma Outra Biografia como um livro desconfortavelmente confortante. O tipo de paradoxo que só pessoas de existência muito superior podem causar. Terminei minha leitura em questão de horas com a sensação de encerrar uma carta de até logo de uma queridíssima amiga que volta logo. Mas acho que sobretudo, a sensação de "preciso aprender muito ainda e espero um dia ter a clareza dessa velha".

A esse ponto, desnecessário dizer que se trata de um livro o qual eu altamente recomendo, sobretudo a quem precisa de um chacoalhão nos próprios tabus. Pela terceira vez: só a genialidade da Rita para tornar algo aparentemente tão delicado em uma coisa tão leve.


P.S.: Quem lia esse blog quando eu me dedicava de verdade e ele inclusive tinha outro nome, lembra que eu me amarro numa teoria da conspiração, papos sobre extraterreste e conversas que quem no minimo tem ums parafusos soltos. Acontece que Rita também era assim. Sei que ela foi levada no disco voador, como ela sempre quis e que agora, nessa realidade expandida em que se encontra, muito provavelmente pode sentir a energia dos meus sentimentos (eu sou uma bicha muito pretenciosa, eu sei). Portanto, agradeço-lhe e lhe peço desculpas se me excedi em clichês ao longo dessa também pretenciosa review.


Vocês já leram as biografias da Rita Lee? Comentem o que vocês mais gostaram (especialmente nesse segundo livro). Caso vocês estejam interessados em adquirir os livros, cliquem aqui.


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